domingo, 19 de junho de 2016

Quando éramos reis: o princípio do fim da hegemonia humana no Xadrez

Computador de Xadrez Belle (ChessGames.com)
Algumas vezes, temos a fortuita junção de tempo e disposição para rever velhos livros ou revistas de xadrez. Tenho aqui uma antiga edição de New in Chess de 1992, com uma rica reportagem sobre o Torneio Internacional Ciudad de Linares daquele ano.

O certame foi jogado pouco antes da fase semifinal do Torneio de Candidatos e contava com a presença dos quatro semifinalistas (Karpov, Short, Yusupov e Timman) além do magnífico campeão do mundo à época, Garry Kasparov. O ano de 1992 foi marcante para a história do Xadrez, pois, pela primeira vez, Karpov não foi finalista da competição de Candidatos e, assim, perdeu a chance de desafiar novamente Kasparov pela coroa mundial.

Folheando a extensa reportagem, chamou-me a atenção uma partida analisada pelo GM Jan Timman, na qual ele venceu o GM inglês Jon Speelman. A princípio, fiquei interessado pela abertura, um Gambito da Dama recusado que acabou na Estrutura de Peões de Carlsbard e uma clássica luta de ataque das minorias vs. contra-ataque na ala do Rei.

A partida é muito interessante. As negras certamente perderam oportunidades táticas de finalizar seu oponente e acabaram por cair num final inferior: branca com par de bispos e rei, contra rei e cavalo das negras.

Na época, ainda se interrompiam as partidas após cinco horas de jogo e só a retomavam no dia seguinte. Timman menciona em seus comentários que lembrou que o computador enxadrista chamado Belle (construído por Ken Thompson, o mesmo criador do sistema operacional UNIX)  havia provado em 1983 (!) que esse tipo de final era sempre ganho para o bando mais forte, uma informação que seu adversário também conhecia. Ele, então, recorreu a análises sobre o final fornecidas via FAX (!) por um colaborador, enquanto Speelman não conseguiu obter o mesmo material. Timman afirma que conhecer o teor das análises ajudou bastante para obter a vitória (mas nega que tenha vencido com a ajuda do computador). Apesar da revisão, Timman ainda admite ter cometido imprecisões que, houvesse Speelman jogado melhor, poderia ter sido impossível vencer dentro do limite de 75 lances (na época) antes de ser declarado empate.

Proposição original de Kling & Horwitz (Chess Studies, 1851)
O final de dois bispos contra cavalo foi estudado por dois mestres do século XIX, Kling e Horwitz, que haviam demonstrado em 1851 que o bando mais fraco alcançava empate através da construção de uma “fortaleza” posicionando o cavalo em uma das casas b2, b7, g2 ou g7.  A descoberta de Belle, no entanto, era que, a partir da posição mostrada acima, havia um método destruir esta fortaleza, e portanto o bando forte venceria sempre.

O xadrez é tão rico que mesmo um dos maiores jogadores do Mundo, em seu auge, reconhece nos comentários da partida que há muitas posições que são um completo mistério, mesmo para Grandes Mestres: “[…] qual jogador de Xadrez entende esse tipo de final?”.

Os cérebros eletrônicos já começavam a ensinar os mestres humanos e a corrigir antigos conceitos e verdades do nosso jogo tidas como absolutas ao longo dos séculos.

Por causa dos computadores, desde 1996 não se pratica mais o adiamento de partidas. Em 1997, Kasparov inclinava seu rei contra Deep Blue (um sucessor direto de Belle), a primeira derrota em match do 'Ogro de Baku'. Hoje, reinam absolutos os cérebros de silício, que se tornaram professores dos Grandes Mestres, o que tem tornado o xadrez humano muito mais profundo que antigamente.

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segunda-feira, 6 de junho de 2016

O Xadrez do reencontro

Fonte: http://www.themarysue.com/names-of-chess-pawns/ 

Encontrar velhos amigos, pessoas do nosso passado que por algum motivo ficamos anos sem rever, reaviva antigas sensações e emoções. Por alguns instantes esquecemos que o tempo, assim como os peões no xadrez, só tem um sentido, e parece que temos ainda toda a vida pela frente, todos os peões em suas casas iniciais.

O tempo se move conforme as escolhas que fazemos, se jogamos um peão uma ou duas casas, ele jamais retrocede. Uma escolha na vida raramente tem volta.

Hoje, nossas vidas tomaram seus rumos, os rostos de todos guardam semelhanças inconfundíveis com as crianças que fomos. No reencontro, discutimos nosso presente, lembramos do passado, somos todos enxadristas mostrando como jogamos a partida da nossa vida até aqui, expondo nossos planos, orgulhosos dos acertos, críticos com os erros, esperançosos com os lances a frente.

Jogamos o xadrez da vida como quem aprendeu agora mesmo os rudimentos do jogo, somos experientes iniciantes que, por um momento belo de confraternização, se sentem recomeçando, capazes de tudo novamente, por algum breve lapso, uma doce ilusão.

Na despedida, tudo retorna ao ponto atual, peões avançados, escolhas tomadas, dias vividos. Já ansiamos o novo reencontro, uma nova trégua, quando poderemos novamente brincar de retornar os peões, e repetir todos os lances, uma vez mais.


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