domingo, 18 de junho de 2017

Tempo e Xadrez

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O relógio de pulso do árbitro marca exatamente 14:00. Ele olha o amplo salão onde os jogadores sentam impacientes, limpa a garganta e declara na melhor voz possível: “Relógio das brancas em funcionamento!”. Assim começa uma rodada num torneio de xadrez.

Uma frase estranha. Não se diz, por exemplo: “As brancas podem mover!” ou “Que comece a batalha!”. Não, simplesmente mandam acionar o relógio do jogador de brancas. Depois de acionado, começa a partida, ou pelo menos é melhor que seja feita uma jogada, senão o tempo acaba, e o outro vence sem precisar sequer mover um peão.

As pessoas imaginam uma competição de xadrez com várias mesas, cada uma com dois adversários e um tabuleiro sobre o qual andam (na verdade são empurradas) peças brancas e pretas. Quase ninguém se lembra do relógio. Um artefato pouco usual, exceto no meio enxadrístico, com dois marcadores, um para cada jogador. Durante uma partida, há sempre um parado e outro funcionando (o tempo nunca para, não é mesmo?). Se o tempo termina, a partida acaba. Vence quem ainda tem tempo. É um martírio para alguns!

Os jogadores iniciantes, então, ficam apavorados com o relógio. São capazes de jogar muito bem sem aquele trambolho do lado, mas quando ele é posto em marcha, subitamente os valores das peças se invertem, primeiro apertam no relógio para depois jogar, derrubam o monstrengo, afoitos, ou, então, simplesmente ficam paralisados, a cabeça em repetição das mesmas jogadas, até que voltam ao mundo dos vivos quando o adversário, feliz, anuncia que o tempo acabou.

Sim, o xadrez de competição não é uma luta tridimensional, mas quadridimensional! O xadrez de torneio não se resume a dar xeque-mate, mas também exaurir o tempo do outro!

Engana-se quem pensa que os jogadores ficam lá, sentados, testando a paciência e a aptidão ergonômica do adversário, enquanto tentam livremente encontrar a jogada absoluta. Não, eles precisam usar bem o tempo! Precisam transformar cada posição do tabuleiro numa charada, num quebra-cabeças, que dê trabalho e tome tempo para ser resolvido.

Mas nem todos tomam esse cuidado.

Uma vez, num torneio, dois jogadores apertaram as mãos, amistosamente, e aguardaram o anúncio do árbitro. Quando foi dada a ordem de acionamento, ambos se esforçaram ao máximo para usar pouquíssimo tempo, tanto que era difícil seguir o ritmo das jogadas! Poucos minutos depois, enquanto as outras partidas do torneio mal tinham quatro ou cinco jogadas, eles se viram na embaraçosa posição de rei contra rei, empate! Na mente de cada um, a constatação útil no xadrez tanto quanto na vida: “eu preciso aprender a usar melhor meu tempo”.

Assim, o xadrez de torneio não se trata somente de dominar o centro do tabuleiro, colunas e linhas abertas, atacar e defender, é sobretudo uma luta pelo tempo; não o tempo do relógio de pulso, o tempo do calendário, este fica como que parado, suspenso. É um tempo dentro desse outro tempo, um tempo que lhe toma o lugar, e torna-se o único tempo que importa, pois enquanto o relógio de xadrez estiver em marcha, haverá sempre um lance a ser feito!


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